terça-feira, 15 de setembro de 2009

Salve, Caio F.!

*

Na minha memória - tão congestionada - e no meu coração -
tão cheio de marcas e poços - você ocupa um dos lugares
mais bonitos.

*

Assim:olha eu sei que o barco tá furado e sei que você também
sabe, mas queria te dizer pra não parar de remar, porque te ver
remando me dá vontade de não parar de remar também.

*

Os dragões não querem ser aceitos. Eles fogem do paraíso,
esse paraíso que nós, as pessoas banais, inventamos - como eu inventava
uma beleza de artifícios para esperá-lo e prendê-lo para sempre junto a mim.

*

Te vejo perdendo-se todos os dias entre essas coisas vivas onde não estou.
Tenho medo de, dia após dia, cada vez mais não estar no que você vê.
E tanto tempo terá passado, depois, que tudo se tornará cotidiano e a minha ausência não terá nenhuma importância. Serei apenas memória, alívio, enquanto agora sou uma planta carnívora exigindo a cada dia uma gota de sangue para manter-se viva.
Você rasga devagar seu pulso com as unhas para que eu possa beber.
Mas um dia será demasiado esforço, excessiva dor, e você esquecerá como
se esquece um compromisso sem muita importância.

*

De onde vem essa iluminação que chamam de amor, e logo depois se contorce,
se enleia, se turva toda e ofusca e apaga e acende feito um fio de contato defeituoso, sem nunca voltar àquela primeira iluminação?














61º Aniversário de Caio Fernando de Abreu



Um comentário:

Milágrimas (Alice Ruiz)



Em caso de dor, ponha gelo, mude o corte de cabelo
mude como o modelo
vá ao cinema, dê um sorriso, ainda que amarelo
esqueça seu cotovelo
se amargo for já ter sido, troque já esse vestido
troque o padrão do tecido
saia do sério, deixe os critérios, siga todos os sentidos
faça fazer sentido
a cada mil lágrimas sai um milagre
caso de tristeza, vire a mesa, coma só a sobremesa
coma somente a cereja
jogue para cima, faça cena, cante as rimas de um poema
sofra apenas, viva apenas
sendo só fissura, ou loucura, quem sabe casando cura
ninguém sabe o que procura
faça uma novena, reze um terço, caia fora do contexto
invente seu endereço
a cada milágrimas sai um milagre
mas se, apesar de banal,
chorar for inevitável
sinta o gosto do sal, do sal, do sal
sinta o gosto do sal
gota a gota, uma a uma
duas, três, dez, cem, mil lágrimas
sinta o milagre
a cada mil lágrimas sai um milagre
a cada milágrimas

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